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O condomínio residencial pode proibir a locação através do Airbnb?

  • Débora Rohden
  • 13 de mai. de 2021
  • 5 min de leitura

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Você deve ter se deparado com esse questionamento nos últimos dias. É que em 20 de abril o Superior Tribunal de Justiça concluiu o julgamento de um recurso especial (REsp 1819075/RS) interposto em processo no qual um condomínio da cidade de Porto Alegre opunha-se às locações de duas unidades privativas, oferecidas pela internet, as quais alegava terem caráter comercial, apesar do condomínio ser exclusivamente residencial. No caso específico, as unidades foram divididas em quartos, que eram locados de forma independente, a pessoas sem relação entre si. Ao longo do processo admitiu-se que, em um dos apartamentos, as locações eram feitas através de contratos de 12 meses, período que poderia ser reduzido, conforme interesses, e outro era oferecido pela plataforma Airbnb, ofertando em ambos o serviço de lavanderia e internet.


O condomínio apontava que, diferentemente de locação residencial, a qual, normalmente baseia-se em um contrato, revestido de maiores formalidades, com exigência de apresentação de documentos, garantias e com maior duração, a proprietária estava utilizando as unidades para hospedagem, com alta rotatividade e bem menos criteriosa em questões como a obtenção de dados dos hóspedes, comprometendo a segurança dos demais moradores e configurando a prática de atividade comercial.


O cerne da discussão residiu na identificação da natureza da locação efetuada nas unidades, se locação residencial, ou a prática comercial de hospedagem. O juiz de primeiro grau, ao decidir, entendeu que a prática não se amoldava à locação residencial, nem mesmo por temporada, ressaltando que o oferecimento de serviços não se encontra no rol de direitos e deveres de locadores e locatários.

Entendeu o magistrado que não há vedação à locação na Convenção Condominial, mas sim à hospedagem nos moldes exercidos nas unidades objeto do processo, ainda que sendo um modelo atípico de hospedagem, haja vista o caráter comercial.

Ao julgarem o recurso dos réus, os Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul seguiram na mesma linha de entendimento do juiz de primeiro grau, destacando que não é proibido lucrar com a locação de imóveis em condomínios estritamente residenciais, mas, desde que essa locação conserve as características da locação residencial.


Os réus apresentaram recurso ao Superior Tribunal de Justiça e, nesse momento processual, o Airbnb requereu seu ingresso no feito como assistente simples dos recorrentes, uma vez ter interesse na lide em relação à parte quanto à solução da controvérsia acerca de terem as locações feitas através do Airbnb caráter residencial ou comercial, o que, a depender do resultado, poderia levar usuários a descadastrarem imóveis da plataforma. Ressaltou as peculiaridades do caso, que se difere da maioria das locações efetuadas através da plataforma.


De forma resumida, o Airbnb defendeu que a caracterização da locação em residencial ou comercial é definida pela utilidade que lhe dá o locatário, que não poderia, por exemplo, instalar um comércio no imóvel, e não pelo destino dado pelo locador. Se assim não fosse, segundo o que sustentou, toda a aquisição de imóvel para investir em aluguéis resultaria em locação comercial. Destacou que somente o oferecimento de serviço de lavanderia (que não seria oferecido como parte obrigatória do aluguel) e internet é atípico aos contratos de hospedagem. Segundo a plataforma, o usuário do Airbnb busca justamente uma “experiência caseira, residencial, ao contrário de um hóspede de hotel”. Por fim, alegou que, por não estar descaracterizada a natureza residencial das locações, o condomínio não poderia obstar o exercício do direito de propriedade. Transcreveu decisões de outros tribunais do país que dariam suporte às suas alegações.


Ao julgar o recurso especial, o Ministro Relator Luis Felipe Salomão proferiu voto no sentido de que não seria possível ao condomínio limitar as atividades locatícias, posto que as locações via Airbnb e outras plataformas do tipo não estariam inseridas no conceito de hospedagem. Salientou que o serviço de lavagem de roupas não se assemelhou àqueles exigidos para a caracterização da hospedagem, que oferece uma gama maior de serviços, previsto na lei que estabelece normas acerca da Política Nacional de Turismo. O Relator considerou também que haveria violação ao direito de propriedade, caso proibida a locação temporária e que, quando diante de normas condominiais restritivas, as mesmas devam ser analisadas adotando-se critérios de razoabilidade e legitimidade.


O recurso, no entanto, foi julgado, como de praxe nesses casos, também por outros três Ministros, que concordaram em negar-lhe provimento, mantendo a proibição. Foram levadas em consideração, no julgamento, as peculiaridades do caso e a destinação estritamente residencial dada pela Convenção Condominial.


O Ministro Raul Araújo, que proferiu voto divergente ao do Ministro Relator e a favor do condomínio, destacou tratar-se de uma modalidade inovadora de hospedagem de pessoas, comumente ofertadas por plataformas digitais, que ainda não tem clara definição doutrinária e legislativa, não se enquadrando no típico conceito de hospedagem, nem na locação residencial por temporada. Disse que nesse caso específico a locação por temporada já havia sido afastada porque conta com prazo máximo 90 dias e exige contratos escritos, que não foram juntados ao processo. Fundamentou seu voto também no fato de que a alta rotatividade de terceiros sem vínculo entre si em cômodos diferentes, com o controle de acesso dificultado, oferece risco à segurança e ao sossego. Destacou que não estaria em seu voto afirmando tratar-se de uma locação comercial, mas sim que não se tratava de uma locação residencial, o que estaria em desacordo com a Convenção, que estabelecia a utilização estritamente residencial das unidades e que, para ser dada destinação diversa, é necessária autorização expressa.


Novamente com a palavra o Ministro Luis Felipe Salomão, o mesmo disse que “cada caso é um caso nessa circunstância, embora todos possam ser oferecidos pela mesma plataforma” e cada um desses negócios jurídicos terá “um pano de fundo e um cenário que vai impactar a forma de decidir”. Destacou que ele e o Ministro Raul Araújo se valeram quase que dos mesmos doutrinadores e dos mesmos precedentes, chegando a conclusões diferentes.


A Ministra Isabel Gallotti acompanhou o voto divergente para negar provimento ao recurso, salientando que não é impossível haver “aproximação” através da plataforma Airbnb entre usuários e aqueles que oferecem locação residencial por temporada, mas que isso não foi demonstrado no caso. Fundamentou o fato de que na sua visão os contratos visavam lucro. A Ministra ressaltou que esse julgamento não resolverá todas as questões a respeito do tema e que o legislador precisará tipificar esses contratos, que já são uma realidade, oferecendo uma maior segurança.


Por fim, o Ministro Antonio Carlos Ferreira proferiu voto no sentido de manter a proibição, destacando que, na sua visão, não se discute no caso a modalidade de como é ofertado o imóvel, não importando se por Airbnb e que seria um equívoco vincular o resultado do julgamento ao oferecimento pelas plataformas digitais. Segundo ele o que cabe é verificar se o uso é residencial ou comercial e, que, o caso concreto, pelas suas peculiaridades, configura uma hospedagem atípica, o que é vedado pela Convenção Condominial. Concluiu que talvez esse processo não seja bom para dele “extrair uma abrangência maior”, haja vista as múltiplas formas de locação, de parte do imóvel, integralidade, por temporada, devendo ser consideradas as características próprias de cada condomínio, repetindo ser indiferente a forma da oferta.


Resta evidenciado, portanto, que, embora o julgamento tenha sido noticiado por alguns meios de comunicação como passível de decidir o futuro do Airbnb no Brasil, o mesmo não colocou fim à discussão, nem mesmo em relação ao caso em si, haja vista que ainda cabível a interposição de recurso e, muito menos a outros casos envolvendo temáticas similares, uma vez que deverão ser verificadas as peculiaridades de cada caso concreto em relação ao uso do imóvel e normas condominiais. Porém, conhecer os argumentos e fundamentos expostos nesse processo é importante para aqueles que oferecem ou pretendem oferecer seus imóveis para locação, a fim de o fazerem da forma mais apropriada e evitar conflitos entre o exercício do seu direito de propriedade e dos demais condôminos, que compartilham das áreas comuns e podem sofrer reflexos inclusive quanto à (des)valorização dos seus imóveis por atos de outros.






 
 
 

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