Compra de imóvel por um dos cônjuges durante o casamento sob o regime de comunhão parcial de bens
- Débora Rohden
- 1 de out. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 13 de jan. de 2021

Recentemente fui consultada por pessoas que passavam por dois problemas totalmente diferentes, mas que tinham uma mesma causa: adquiriram imóveis na constância do casamento em comunhão parcial de bens, porém, com recursos que um dos cônjuges já detinha antes do casamento, deixando de constar tal declaração na escritura.
De um modo geral, quando os indivíduos casam e escolhem o regime de bens, têm o conhecimento da regra que diz que na comunhão parcial de bens aqueles adquiridos na constância do casamento pertencem, em igual proporção, aos membros do casal. Alguns ainda conhecem exceções a essa regra, que fazem com que, mesmo passando a integrar o patrimônio de um dos cônjuges na constância do casamento, não passe também a integrar o patrimônio do outro.
CASO 1
Em um dos casos a cliente era proprietária de um imóvel quando ainda solteira. Ocorre que, já na constância do casamento em comunhão parcial de bens, o imóvel foi vendido e adquirido um novo, unicamente com os recursos resultantes da venda daquele primeiro. A pessoa que estava n
a posse do imóvel deixou de pagar o IPTU ao qual se comprometeu e o nome do cônjuge da consulente foi levado a protesto.
Mas, como, se a regra diz que no regime de comunhão parcial de bens aqueles adquiridos unicamente por um dos cônjuges, em sub rogação a um bem que ele já detinha antes do casamento, não se comunicam? Como o cônjuge foi protestado por uma dívida de um bem que sequer é dele?
A resposta está no registro de como se deu a aquisição do imóvel! Via de regra, quando adquirimos um imóvel ninguém nos questiona de onde veio o dinheiro, se pertence a apenas um dos membros do casal.
Consequentemente, na escritura que formaliza a aquisição desses bens, não são gravados com a cláusula de incomunicabilidade. Assim sendo, segundo nos estritos termos do registro desse imóvel, o bem pertence a ambos os cônjuges. E, atenção, não é necessário que conste expressamente que foi adquirido por ambos. Se constar que foi adquirido por um deles, casado em comunhão parcial de bens, em termos registrais estar-se-á dizendo que pertence aos dois.
Identificado o equívoco, poderá proceder-se à retificação da escritura, comprovando a procedência dos recursos, a fim de se evitar eventuais fraudes. Optando por não retificar, é necessário fazê-lo consciente das consequências jurídicas dessa escolha. Mais abaixo detalho no segundo caso.
CASO 2
O segundo caso que me foi trazido também tem como origem um imóvel adquirido durante o casamento, sob o regime da comunhão parcial de bens, com dinheiro de uma poupança que um dos cônjuges já possuía antes do matrimônio, informação que também deixou de constar da escritura de compra e venda. Nesse caso específico o problema foi conhecido tão somente após a ocasião do divórcio na via administrativa e a retificação da escritura da compra do imóvel seria bastante trabalhosa, em virtude das partes envolvidas.
O consulente então queria que no divórcio fosse feita verdadeira “gambiarra jurídica” que lhe foi sugerida para “facilitar” a solução do problema: como esse seria o único bem em tese partilhável - ao menos segundo os registros - o outro cônjuge, no divórcio, abriria mão da metade a que, supostamente teria direito e, tudo ficaria resolvido.
No entanto nada é tão “simples” quanto parece, havendo consequências jurídicas por cada uma das escolhas.
Vejamos alguns exemplos de possíveis consequências para a adoção da alternativa solicitada pelo cliente:
a) Tributação: quando um dos cônjuges abre mão de patrimônio que lhe pertence segundo a lei, está fazendo uma doação para o outro cônjuge e, sobre as doações há incidência de ITCMD, conforme as alíquotas definidas em cada Estado;
b) Nulidade: uma doação pode ser reconhecida como nula se entendido que aquele que doou não manteve bens ou renda suficientes à sua subsistência;
c) Ingresso na esfera patrimonial do outro: se os cônjuges optarem por decidir as questões relativas ao imóvel como se um estivesse renunciando sua parte no bem para o outro, estarão reconhecendo que esse bem ingressou na esfera patrimonial de ambos. Na eventualidade daquele cônjuge que foi reconhecido como proprietário de parte apenas para “facilitar” os trâmites de regularização do imóvel ter contra si, por exemplo, execuções em andamento, a dita doação para o ex-cônjuge poderá ser considerada um ato de fraude à execução, podendo o bem inclusive ser penhorado e até vendido para pagamento daquelas dívidas.
Nota-se, portanto, a importância da anotação da declaração de que os recursos aplicados pertenciam exclusivamente a um dos cônjuges anteriormente à modificação do estado civil, quando da aquisição de um imóvel na constância do casamento em regime de comunhão parcial de bens, ou, retificação da escritura naqueles casos em que deixou de constar, a fim de evitar dores de cabeças futuras.
Débora Martins Maciel Rohden
Advogada inscrita na OAB/RS sob o n. 55.217
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