A LGPD APLICADA À PESQUISA CIENTÍFICA
- Comunello & Rohden
- 8 de out. de 2021
- 5 min de leitura

Já comentamos aqui no nosso blog, os principais aspectos da nova Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), criada com o objetivo principal de proteção aos direitos fundamentais à liberdade e privacidade. Confira em https://is.gd/sancoes_lgpd e https://is.gd/lgpd_adequacao.
Todos os setores econômicos, de diversas atividades e de todos os portes, já estão buscando profissionais capacitados para se adequarem à nova legislação. Uma dúvida recorrente é em relação ao impacto da nova lei em atividades específicas não empresariais ou não comerciais, como, por exemplo, ensino e pesquisa.
Por sua própria natureza, a pesquisa científica e acadêmica envolve a coleta e o tratamento de dados pessoais, muitas vezes o que a lei denomina de “dados sensíveis”.
Muito embora a LGPD, em seu artigo 4º, II, b, mencione que a normativa não se aplicaria ao tratamento de dados pessoais realizados para fins exclusivamente acadêmicos, a determinação inicial de exigência de legislação própria para a área foi modificada no trâmite do processo legislativo que culminou na atual redação a qual, à primeira vista, pode se mostrar confusa. Não obstante, sob um olhar mais atento, percebe-se claramente que os dois artigos fundamentais da lei são explicitamente aplicáveis à pesquisa acadêmica, quais sejam, os artigos 7º e 11º, além da íntegra da legislação (não só esses dois artigos) nas hipóteses de “realização de estudos por órgão de pesquisa”.
Por “órgão de pesquisa” devemos entender qualquer órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta ou pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos legalmente constituída sob as leis brasileiras, com sede e foro no País, que inclua em sua missão institucional ou em seu objetivo social ou estatutário a pesquisa básica ou aplicada de caráter histórico, científico, tecnológico ou estatístico. Desta forma, estão incluídas na regulação da lei, portanto, universidades públicas e privadas, desde que sem fins lucrativos, bem como institutos de pesquisa, também sem finalidade lucrativa.
Em primeiro lugar, precisamos compreender ainda que o objeto da LGPD é o regramento da obtenção, tratamento e guarda de “dados pessoais”.
“Dados pessoais” é um conceito amplo e consiste em todas as informações que podem ser relacionadas a uma determinada pessoa natural, independentemente da natureza desses dados. Pode ser sua qualificação pessoal, dado cadastral, informações sobre sua saúde, crenças, atividades…. Tais dados não são, por si só, sigilosos ou confidenciais. Inclusive, muitos dados por força de lei, devem ser públicos, mas o que busca a LGPD é dar níveis razoáveis de controle e transparência ao seu titular.
Uma das obrigações previstas em lei é a de que o tratamento de dados pessoais, via de regra, somente poderá ser realizado mediante o fornecimento de consentimento pelo titular, garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais, regra esta que aplicável também aos pesquisadores acadêmicos.
Importante também que o pesquisador tenha em mente que a lei prevê que mesmo para os casos específicos em que a lei dispensa a exigência do consentimento prévio para os dados tornados manifestamente públicos pelo titular, há a plena obrigação de quem se utiliza de tais dados resguardar os direitos do titular e os princípios previstos na própria LGPD, dentre os quais destacamos a finalidade e a possibilidade de, a qualquer tempo, poder o titular requerer, de forma gratuita e facilitada, a informação de quais dados seus estão sob a guarda e tratamento do pesquisador ou controlador (quem, porventura, em nome do pesquisador ou do órgão de pesquisa ao qual ele é vinculado, é o responsável pela gestão, armazenamento e tratamento dos dados), tendo estes o dever de fornecer aos cidadãos que lhes forneceram os dados as informações solicitadas.
O pesquisador deve formular termo de consentimento a ser firmado pelo participante que, além da autorização expressa para o tratamento de seus dados, deve deixar clara eventual intenção (ou apenas a possibilidade) de que tais dados pessoais obtidos com a pesquisa sejam (ou venham a ser) compartilhados com outros controladores/gestores de dados, de forma a obter consentimento específico do titular também para este fim.
A exigência legal acima mencionada é de especial importância quando a pesquisa é feita em grupos de pesquisa ou mesmo sob contratação de Bolsa de Pesquisa junto a instituições próprias de fomento como a CAPES e o CNPQ, mas é igualmente aplicável à hipótese de pesquisa financiada por Fundações de Pesquisa ou Promoção de Bem Estar Social, mesmo que com fins estritamente acadêmicos até onde tem consciência o pesquisador.
Interessante notar que a lei disciplina que o tratamento de dados pessoais cujo acesso é público deve considerar a finalidade, a boa-fé e o interesse público que justificaram sua disponibilização e dispensa a exigência do consentimento para os dados tornados manifestamente públicos pelo titular, resguardando, contudo, os direitos do titular e os princípios previstos de respeito à privacidade e total informação e responsabilização por danos promovida pela forma como tratada a informação se caracterizadas violações aos princípios norteadores da LGPD.
De especial destaque para a pesquisa acadêmica, ampla na área de educação, pedagogia, medicina e psicologia mencionar que, no caso de dados pessoais (sensíveis ou não) de crianças e adolescentes, os mesmos só poderão ser tratados pelo pesquisador mediante consentimento de pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal pela criança ou adolescente.
De inequívoca razoabilidade a conclusão de que as formas de aplicação e adequação à LGPD, a anonimização de dados, consentimento e os documentos necessários para adequar a pesquisa com obtenção e tratamento de dados em conformidade com a lei poderão variar inclusive conforme o tipo de pesquisa que está sendo utilizada (estatística, etnográfica, etc.), motivo pelo qual indispensável um profissional capacitado para identificar, no momento imediatamente anterior ao do início da realização do projeto de pesquisa, quais são os dados a serem captados pelo pesquisador que deverão ser objeto de tratamento e procedimentos regidos pela LGPD.
Muito embora os mecanismos de adequação à LGPD possam parecer muito mais voltados às instituições, entendemos que os profissionais pesquisadores também tem o dever de contribuir nessa cadeia de adequação, primando sempre pelos princípios que devem reger o tratamento de dados, especialmente a boa-fé, finalidade, adequação, qualidade dos dados (exatidão e clareza) e transparência.
Recomenda-se que os órgãos de pesquisa, sejam Instituições de Ensino ou Pesquisa ou mesmo grupos de pesquisa a elas relacionados, que procurem auxílio técnico-jurídico para a elaboração dos instrumentos necessários para o cumprimento da LGPD (declarações e termos de responsabilidade), bem como para manter seguros os dados sob sua responsabilidade, nunca compartilhando indevidamente informações, senha de acesso e guarda de arquivos, bem como zelar pela segurança de seus dispositivos pessoais que possam ter sido utilizados no processo de coleta e tratamento de dados. Tudo isso dentro de uma política de boas práticas a ser implementada pelas instituições a qual estão vinculados.
Jessica Buchmann Volkmann
Renata Barboza Comunello
Comments